Manter a morte diante dos olhos
É preciso
manter a morte, todos os dias, diante dos olhos
As
mudanças de fase de nossas vidas são marcadas por rupturas. O bebê quando nasce,
ainda não consegue agir por si mesmo, precisa do auxílio dos pais para atender
a suas necessidades, mas a medida que vai crescendo, de certa forma, não
precisa desse auxílio como antes, porque ele vai se desenvolvendo e se tornando
capaz, de acordo com as etapas da vida, de se movimentar, de compreender, de
relacionar e etc. Essa é a primeira e elementar ruptura da vida, a saída da
criança do corpo da mãe, os dois corpos que estavam unidos de todas as formas,
foram separados, ou seja, essa união foi rompida e necessária, para que o ser
se constituísse. Portanto, vão acontecendo algumas rupturas, perdas, mudanças, transformações
e a vida humana é marcada por elas. A medida que se perde ou ganha, que cria ou
rompe laços, vai se forjando dentro do ser, aquilo que ele é, porque a vida é
dinâmica e o ser dentro dessas circunstancias se revela.
Assim
também é a morte, uma ruptura e um aspecto interessante da vida. Existe em nós
um vazio e a tendência do ser é querer preencher esse vazio, as vezes
desesperadamente, de coisas, de pessoas, de títulos, amor próprio, de vícios e
etc. No entanto quando olhamos para a morte isso tudo perde o sentido, parece supérfluo.
Por que? Porque a morte muda, transforma nossas vidas, a perda arranca de nós
aquilo que estava nos preenchendo, que estávamos presos. Portanto, acontece ai
uma ruptura, porque a gente acaba agregando as coisas, pessoas a nossa volta,
àquilo que somos e quando perdemos alguém ou algo, a gente tem a sensação de
que uma parte de nós não existe mais. Porque temos sede, desejo de eternidade e
as coisas e pessoas nunca vão corresponder a esse desejo que temos. Os medos e
receios faz com que a gente queira prender aquilo ou aquele que amamos conosco.
A
regra de São Bento diz que é “preciso manter a morte, todos os dias, diante dos
olhos”, a morte gera em nós uma urgência, separa aquilo que é essencial daquilo
que é supérfluo, a vaidade da vida, a ganância, soberba, os vícios... coloca em
cheque a vida mais ou menos que levamos. Não há dúvida que a morte é um
mistério e também a única certeza da vida, mas como vivemos diz como
morreremos. Pensar na morte é também pensar na vida. “Se não existe um motivo
pelo qual vale a pena morrer, a vida também não vale a pena.” Bento XVI. Os
estoicos a 300 a.C. quando o rei estava dominado por suas paixões, o
conselheiro susurrava em seu ouvido: MEMENTO MORI segundo a tradição latina,
que significa lembre-se da morte.
Deus
quer nos tornar livres! Ainda somos apegados a nossa casa, aos nossos
familiares, amigos, emprego, orações, cardápio, a nossa rotina... tudo aquilo
que nos cerca. Quando temos Deus como principio e fim de todas as coisas,
quando o amamos verdadeiramente a gente começa a compreender o que Santa Teresa
falava “Tudo passa, só Deus basta!”. O nosso coração, a nossa alma anseia o
eterno, o próprio Deus “Porque nos criastes para vós e o nosso coração está
inquieto enquanto não repousa em vós.” Santo Agostinho.
O
que aparentemente é uma perda, a morte, na verdade é um ganho, é um bem, se
direcionado para o céu. Não somos mais prisioneiros das coisas, dos vícios, das
pessoas, mas somos livres para escolher o bem, essa é a máxima filosófica só é
livre quem escolhe o bem. É viver na certeza de que só o próprio Deus vai nos
saciar e que amar não significa prender o outro mas deixa-lo livre para que a
vontade de Deus se realize também na vida do outro. Portanto a morte revela
para nós o que somos. Qual a nossa base? As pessoas? Quando a perdemos, ficamos
desequilibrados, sentimos que uma parte de nós não existe mais. No entanto,
quando estamos enraizados no amor de Deus e acontece uma ruptura, as perdas
chegam, permanecemos porque o próprio Deus é a nossa base, é ele quem nos sustenta.
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