O sentido da vida
No
princípio não havia nenhum tipo de constrangimento entre Deus e o homem. O
homem gozava da plena união com Deus. No entanto o homem, se encontrava alheio
a própria existência, não se reconhecia como ser vivente do lugar que o
cercava. Deus em sua infinita bondade, do lado do homem, fez a mulher. O homem
com grande júbilo reconheceu-se ser humano e participante na percepção do mundo
exterior. Estavam nus e não sentiam vergonha. São João Paulo II, chama de consciência
plena, a nudez e a “não-vergonha” que aqui se apresenta, porque os viam como
Deus os via. Com a plenitude total que eram, o valor e a integralidade que
foram feitos. “Deus viu que era bom” , muito além de uma visão reducionista que
só é capaz de ver a superfície do ser e não consegue aprofundar e conhecer a
intimidade pessoal. Depois do Pecado Original, é possível observar uma grande
ruptura nessa visão e os corpos ganhando outro significado.
A
razão pelo qual estou falando de Adão e Eva no princípio, é porque nela se
encontra a raiz de toda experiência humana. Uma vez que depois do pecado
original, o homem e a mulher se comportam de maneira diferente em relação a si
mesmo e em relação ao mundo, explica muito sobre nós no século XXI que diante
das circunstâncias que porventura a vida nos oferece, acabamos nos comportando
da mesma maneira. Logo após comerem do fruto proibido, olharam para si,
envergonharam-se e esconderam-se de Deus ao ouvir seus passos. Tinham medo.
Tiveram medo porque perderam a referência de suas existências, que é o próprio Deus,
perderam o sentido pelo qual os foram criados. Esconderam-se atrás das árvores,
o corpo é expressão do ser, de ser. A visão plena de sua essência, a consciência
do dom que era um para o outro perdeu-se. Pois bem, agora haveria o homem de
trabalhar e comer do próprio suor, a mulher enfrentar dores e caminhar conforme
o homem e a terra amaldiçoada.
Por
vezes, como nossos pais, somos seduzidos pelos frutos proibidos da terra, que
nos subjuga, escraviza e reduz o que somos em plenitude. Tal atitude tira as
nossas forças para agir, para manifestar a nossa existência, para ser dom e nos
faz miseravelmente fugir e apontar algum outro culpado. Então, encontra-se o
homem perdido de si mesmo. O ser que se manifesta no mundo exterior, se funda
no eu interior, mas sem o reconhecimento do próprio valor que foi feito: imagem
e semelhança de Deus, é incapaz de manifestar a plenitude do seu eu no
exterior. Por isso, deixa ser levado pela enxurrada de prazeres, vícios,
pecados, vontade própria e torna-se escravo da terra pelo qual da mesma matéria
foi feito.
Vamos
perdendo o sentido pelo qual viemos ao mundo. O medo vem a cada dia tapar a
nossa vergonha com mascarás e continuamos vivendo e fugindo da verdade, ao
passo, que o mundo avança e nós somos levados por essa manada de confusão e
medo, sem nenhuma resistência. A verdade se encontra na realidade, é preciso
ouvir a voz que chama além da gritaria do mundo, a voz de Deus que chama ao Amor,
para doar-se, para ser dom de si para o outro.
Para lembrar de que somos feitos e qual valor temos.
- Não nascemos para sermos dominados pelo mundo, mas para o dominar!
Para isso é necessário desnudar-se das próprias
vontades, deixar que as máscaras caiam, abrir mão da imagem que temos de nós
mesmos e deixar que a partir do barro que somos, Deus com a sua graça nos
refaça a partir de Sua imagem e semelhança. Para reconhecer o que é a vida
diante da própria existência e o que a própria existência é diante da vida. Sem subterfúgios,
sem máscaras, sem se deixar levar pela corrente que deságua no chão. É preciso
lutar, é preciso a graça de Deus para ir contra, superar a gravidade para
direcionar a vida ao alto, para dá-la o real sentido que ela tem.
No
entanto, a minha vida como a de todos que aqui estão ou já passaram por aqui é
feita de realidade e não de perfeição. Existem dias em que a tempestade forte
vem e leva-me. Nesses dias que pareço naufragar, lembro-me das santas palavras
do nosso pastor, que como capitão nunca abandona o navio e envia o barco a vela
para me salvar.
“A tempestade
desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa a descoberto as falsas e supérfluas
seguranças com que construímos os nossos programas, os nossos projetos, os
nossos hábitos e prioridades. Mostra-nos como deixamos adormecido e abandonado
aquilo que nutre, sustenta e dá força à nossa vida e à nossa comunidade. A
tempestade põe a descoberto todos os propósitos de «empacotar» e esquecer o que
alimentou a alma dos nossos povos; todas as tentativas de anestesiar com
hábitos aparentemente «salvadores», incapazes de fazer apelo às nossas raízes e
evocar a memória dos nossos idosos, privando-nos assim da imunidade necessária
para enfrentar as adversidades. Com a tempestade, caiu a maquilhagem dos
estereótipos com que mascaramos o nosso «eu» sempre preocupado com a própria
imagem; e ficou a descoberto, uma vez mais, aquela (abençoada) pertença comum a
que não nos podemos subtrair: a pertença como irmãos. «Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?» Neste nosso
mundo, que Tu amas mais do que nós, avançamos a toda velocidade, sentindo-nos
em tudo fortes e capazes. Na nossa avidez de lucro, deixamo-nos absorver pelas
coisas e transtornar pela pressa. Avançamos, destemidos, pensando que
continuaríamos sempre saudáveis num mundo doente. Agora nós, sentindo-nos em
mar agitado, imploramos-Te: «Acorda, Senhor!» «Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?» Senhor,
lanças-nos um apelo, um apelo à fé. Esta não é tanto acreditar que Tu existes,
como sobretudo vir a Ti e fiar-se de Ti. «Convertei-vos…». «Convertei-Vos a Mim
de todo o vosso coração» (Jl 2,
12). Chamas-nos a aproveitar este tempo de prova como um tempo de decisão. Não é o tempo do
teu juízo, mas do nosso juízo: o tempo de decidir o que conta e o que passa, de
separar o que é necessário daquilo que não o é. É o tempo de reajustar a rota
da vida rumo a Ti, Senhor, e aos outros. E podemos ver tantos companheiros de
viagem exemplares, que, no medo, reagiram oferecendo a própria vida. É a força
operante do Espírito derramada e plasmada em entregas corajosas e generosas. É
a vida do Espírito, capaz de resgatar, valorizar.”
Papa Francisco
É
este convite que lhes faço: dar um mergulho na realidade, no mistério de si mesmo
para encontrar o Caminho, a Verdade e a Vida, e compreender que você é um dom e
que nasceu para dar a vida, para amar de forma única e irrepetível. Se assim
não o fizer o mundo ficará sem a parte de Deus que, por mistério, só você pode
revelar.
Salve
Maria Imaculada!
Referências:
- São João Paulo II. Ele os criou, homem e mulher. São Paulo. Editora Cidade Nova- 1982
- Gênesis cap. 2 e 4;
- São João Paulo II. Audiência geral, Quarta-feira, 16 de Janeiro de 1980. Vaticano. 1980 < http://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/audiences/1980/documents/hf_jp-ii_aud_19800116.pdf>
- São João Paulo II. Audiência geral, Quarta-feira, 14 de Maio de 1980. Vaticano. 1980 < http://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/audiences/1980/documents/hf_jp-ii_aud_19800514.pdf>
- Papa Francisco. Texto integral da homilia do Papa Francisco neste 27 de março. Vaticano. 2020 < https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2020-03/papa-francisco-homilia-oracao-bencao-urbe-et-orbi-27-marco.html>
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